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Palácio da eternidade e a valsa dos esquecidos | Palace of Eternity and the Waltz of the Forgotten

 Palácio das Artes | Belo Horizonte - Brasil |  2011

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Em “Palácio da eternidade e a valsa dos esquecidos” somos sugados pelo tempo passado, por figuras que anunciam a presença de um momento comum a todos. Este passado pode ter sido realizado e catalogado, (como no caso de grandes museus) pode ter sido subvertido (como no auto-retrato com grandes líderes), ressignificado (como na Bastilha e sua torre de jogos de montar e desmontar) ou mesmo esquecido (como no sonho de Tatlin, que não se realizou materialmente e nem ideologicamente). Mas algo transpassa todas estas manifestações, é uma vontade de se relacionar com um mundo do qual o artista não fez parte, mas usa dele para agregar à sua força, e ligar toda esta história em um circuito que produz mais do que movimento e sons.

Nossa História traz junto dela toda a vivência da humanidade, são milhões de histórias, milhões de vidas que se consumiram em favor de algo, de uma idéia, de uma paixão, ou apenas se gastaram sem produzir qualquer calor.

O Tempo consome a vida, traz o esquecimento, transforma experiências em retratos distorcidos e atemporais de um momento, retratos fragmentados e incompletos. Estes momentos são somente o que restou para a eternidade, embalsamado em palácios, trazendo junto de si os discursos de formação do hoje. Monumentos.

Mas os vestígios não são somente carcaças sem vida, já foram à realização total de uma vida, e inspiram vontade de compartilhar aquele momento, trazer a energia de volta a ação, pois ela não foi perdida, ela está dormente e pode ser evocada. Precisa circular, e ser consumida; se transformar em ação, em realização. É um fluxo latente, confuso, e potente.

Parece justamente a partir deste ponto que a relação do artista com a História é possível, ela é o elo entre sua vontade de conhecer o mundo e realizá-lo, e o mundo que existe e já existiu. Para vencer esta distância tem de romper a inércia, aplicar energia. O problema não vem de atestar a dissociação entre Arte (a força do novo) e a História (o peso da imobilidade), mas principalmente uma cisão entre estas experiências. O passado foi repleto de força, ações que moldaram o mundo, mas estas ações estão para nós somente como restos, procuramos entender e torná-las parte de nossa história, mas estes fragmentos são escassos, o espírito de um tempo é irreproduzível, a experiência não se reconstrói.

Para além da negação do passado ou o deslumbramento com as maravilhas já produzidas, há a vontade de responder a altura de tais realizações, tornar–se parte daquele momento, mas é preciso também esquecê-lo, tirar de cima de si o peso de toda cultura para que a energia possa fluir, evitar que o acumulo da História não se transforme em um imenso bolo intragável que nos condene a morrer de indigestão. Um tratamento de retomada que dissipa a energia estagnada e inutilizada, sendo gasta somente para manter sua própria imobilidade.

Esse fluxo que liga experiências díspares transforma, e é instável. Produz ações, movimenta os motores dos mecanismos que se alimentam dessa energia. É um circuito que retoma o sentido da invenção, devolvendo a energia para onde ela será consumida de forma mais realizadora, reativando as carcaças em toda sua potência de poder ser parte de uma vida.

Aqui não se trata somente de inserir-se em um discurso já legitimado, de acumular todo o conteúdo da grande história da arte, junto dos templos de sua adoração. Mas de tomá- lo como parte da vida de uma forma artista, configurando esses discursos e rearranjando o sentido de tal monumento. O desprezo de subverter toda a carga da história, de esquecê-la em algum momento traz de volta o impulso do movimento.

“Quem não se instala no limiar do instante, esquecendo todos os passados, quem não é capaz de manter-se sobre um ponto como uma deusa da vitória, sem vertigem e medo, nunca saberá o que é felicidade e, pior ainda, nunca fará algo que torne os outros felizes. (...) é possível viver quase sem lembrança, e mesmo viver feliz, como mostra o animal; mas é inteiramente impossível, sem o esquecimento, simplesmente viver.”

Assumindo seu tempo e o nosso tempo, mostrando que o passado se corrói e somente sobram seus vestígios, ferrugem. E então injetar uma carga de eletricidade que acelera sua decomposição para deixar explícito que para além dos vestígios, as imagens resistem, são imateriais e podem ser reanimadas, como com as pás de um desfibrilador, dando alguma vida a esses corpos inertes que muitas vezes só nos trazem de novo a melancolia e o cheiro de velho.

 

  "É na interioridade que repousa então a sensação, igual à cobra que engoliu coelhos inteiros e em seguida, quieta e serena, se deita ao sol e evita todos os movimentos, além dos mais necessários. O Processo interno: tal é agora a coisa mesma, tal é propriamente a ‘cultura’. Todo aquele que passa por ali tem o único desejo – que uma tal cultura não morra de indigestão.” - Considerações

Extemporâneas: Da utilidade e desvantagem da História para a Vida. §4. In: NIETZSCHE, Friedrich. Obras Incompletas. Nova cultural, São Paulo. 1999. p.278
  Idem, p.273

Romeu Loreto

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